tinha fome, ela tinha. o dia amanhecia beliscando a parede que alcançava, com as unhas, ainda deitada na cama, era quase devagar, mas quase. acordava mesmo na hora de roê-las com os dentes, dentes brancos, dionéia, ela tinha. levantava no décimo dedo vazio de cal, às vezes quase demorava, quando podia, era tanto que ardia ali debaixo. do banheiro tinha a água, do bochecho tinha o fim do primeiro cuspe, pra guardar a noite passada. tinha para ela que era o que comia e queria ser quase tudo do que via, tinha fome, ela tinha. o sofá era desde que sempre esteve ali, já era sua metade. comia os vãos das ranhuras que achava pela frente, um banquete para onde quer que olhasse, achava bonito ser um vão. não comeu sua identidade, não podia chamar beatriz porque era dionéia a primeira que a parou pela frente e foi ali no quintal, a pioneira dessa fome, queria ser, comeu e foi. mesmo sendo coisa de criança gostar de flor, gostava da criança, deixou a alcunha, que era um nome engraçado pra dizer nome. alcunha quase fazia cócegas depois de comida, a dionéia quase ria, se fosse a beatriz, achava que não. até de noite ela comia, pensava que quase devagar, mas quase, seria todo aquele lugar. tinha para ela que ser lugar era melhor do que ser gente, ela tinha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário