do acúmulo

saí lá fora só para abrir a toneira, porque a lola tava pedindo um pouco de água. ela só bebe corrente, sabe, dependente total. daí que me deu o dom de ouvir a tarde, bem manoela, sabe, eu falo bastante sabe ao vivo. a tarde quase noite falou no meu ouvido e eu lembrei da rua 55, o último endereço da nova campo grande, a rua que era a minha. atrás da minha casa era só mato, e era depois de todo o mato de trás da minha casa que o mundo acabava, eu juro. do fundo de tudo eu olhava o mundo, e todo dia eu assistia ele morrendo lá mesmo no fim do mundo, eu ouvia na hora que eu voltava da escola, descendo do ônibus, acompanhada da empregada da vez e do meu irmão. eles sempre tavam lá, mas quando me dá essa de ouvir a tarde, feito manoela, eu lembro que eu andava era sozinha. foi ali que eu aprendi a solidão eu sei. tem coisa que bate na gente, de lá de quando a gente aprende que existe. eu aprendi bem cedo que no fim do mundo a gente tá sozinha, mesmo que tenha gente do lado da gente; que o laranja do fim do mundo é bem azul. hoje, a tarde era laranja e eu era toda azul, do jeito que eu aprendi quando o fim do mundo morava atrás da minha casa. de certo que ele me persegue. de certo que ele mora é atrás de mim. não é ruim o fim do mundo. é só o fim, sabe?

4 comentários:

  1. bom texto. uma crônica poética e tanto.

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  2. ...do fundo de tudo eu olhava o mundo, e todo dia eu assistia ele morrendo lá mesmo no fim do mundo...

    Muito bom.

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